sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Matar o Outro













Pistorius matou o Outro.
Matar o Outro nunca é o mesmo que matar "uma pessoa como nós". Há sempre boas desculpas para matar o Outro e sempre alguma atenuante porque, convenhamos, grave é quando as "pessoas como nós" matam "outras pessoas como nós".
O tal do Pistorius, que, pasmem-se, até já foi o Outro, ao competir olimpicamente com "outras pessoas como nós" e não com os "outros colegas dele", por sua conta ou em seu benefício, andou o julgamento a galope de uma narrativa em que Reeva Steenkamp  (como no caso do famoso Palito, também aqui o Outro raramente é nomeado, existindo apenas na sua relação com a "pessoa como nós" - "namorada" é o que aparece com mais frequência e há uma boa crítica aqui) talvez fosse uma puta. Mas, mesmo sendo puta, ele pensava ter atirado sobre um preto que lhe tinha invadido a casa e estava trancado na casa-de-banho, de modo que o que aconteceu foi que "uma pessoa como nós" tentando reagir sem pensar perante a invasão de um preto (sendo que matar é a única coisa que parece normal a toda a gente fazer-se aos pretos fechados em casas-de-banho em contexto sul-africano), acaba por "involuntariamente" matar uma mulher (puta) que cometeu o que alguém muito bem chamou de «esse erro feminino fatal que é estar no sítio errado à hora errada».

1 comentário:

  1. "falamos de outra coisa, que, por isso, não seria regulada: as mulheres, os não-homens, enquanto minoria, enquanto fluxo ou conjunto não numerável, não receberiam nenhuma expressão adequada ao devir elementos da maioria, isto é, conjunto finito numerável. Os não-brancos não receberiam nenhuma expressão adequada ao devir uma nova maioria, amarela, negra, conjunto numerável infinito. O próprio da minoria é fazer valer a potência do não-numerável, mesmo quando é composta por um único membro. É a fórmula das multiplicidades. Minoria como figura universal, ou devir toda a gente. Mulher, temos todos de devi-lo, quer sejamos masculinos ou femininos. Não-brancos, temos todos de devi-lo, quer sejamos brancos, amarelos ou negros".
    Deleuze & Guattari, Mil Planaltos

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