domingo, 28 de setembro de 2014

A chamada da mulher para a hegemonia




Se a a generalização e coisificação da mulher na narrativa publicitária consolida real e torna-a co-autora dos dispositivos sociais e culturais que engendram a violência de género, a  chamada da mulher para a mesma narrativa mas do ponto  de vista de uma consumidora quase autónoma também consolidam real.  A realidade da mulher enquanto conquistadora do seu espaço de decisão através da liberdade que lhe proporcionaram educação, emprego,  direitos políticos e direitos sobre o seu corpo. Os mecanismos de reprodução social de determinado modo de vida que ocupamos  (o sistema das relações económicas que enformam o sistema político) como é o caso da publicidade, sabe que a mulher, para além de poder ser mesmificada em eternos anúncios da cerveja, é ao mesmo tempo uma consumidora cada vez mais qualificada. O seu corpo e a categoria que o representa são chamados ao protagonismo neste filme de lançamento de uma nova marca de telecomunicações no país. É uma mulher que lidera esta viagem ao mundo dos eventos televisivos, as séries, os filmes, os concertos, ama, aventura-se, canta e dança, sai ilesa.

O capitalismo engrenda no seu ventre as múltiplas escravaturas dos sujeitos outros/minorias. Ora tecendo os caminhos por onde se opera o patriarcado ora trazendo, neste caso, as mulheres para um aparente estado de igualdade (igualdade de se tornar produtor/consumidor) resultando nos dois casos a impossibilidade deste Outro/minoria em constituir-se Sujeito. 

quinta-feira, 25 de setembro de 2014

A veemência da realidade



Fumo um cigarro sozinha. Visualizo a partir de um quinto andar os fragmentos da memoria desses prédios altos onde se esconde o sol, atrás dos quais se encontra a fonte da controvérsia do desejo, das emoções e dos sentimentos em ebulição. O futuro parece-me veemente, não tanto quanto o presente. Entre x e y, a razão leva-me à distância quando o batimento do coração conduz-me à voragem dos traços deixados pelo encontro. O tempo leva tempo e é nesse tempo que tento contar sem limites e saborear o equilíbrio entre a vida e o sonho.    

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Não vão mudar o caralho!


"The person is dehumanized and then violence becomes inevitable. And that step is already and constantly taken with women." - Jean Kilbourne, num trailer que pode ser visto aqui.

Se te sair o euromilhões, vais poder comprar um palacete, um carro alemão e uma gaja boa (mas manténs o bigode, que é coisa de povo). É desta forma que a Santa Casa (graças a deus!) promove a sua "criação de excêntricos", numa narrativa que abusa de estereótipos e desqualifica pessoas e identidades. Quase sempre de classe e, agora, numa versão classista-sexista, o que torna a campanha duplamente engraçada (é só rir!) e, também por isso, triplamente nojenta.

Há generalização, coisificação e mesmização na narrativa publicitária. Já sabemos. Os exemplos sucedem-se e, pior, consolidam "real". A questão, no entanto, é que não basta dizer, como no Pastelaria de Cesariny, "Gerente! este leite está azedo!", se não há (ou, se há, é pouca) realidade pré-discursiva, o que precisamos mesmo é, como diz a Butler (salvé!): "[i]f the spectrally human is to enter into the hegemonic reformulation  of  universality,  a  language  between languages will have to be found"*. E essa (oh, essa!) nunca a encontraremos na publicidade. A procura tem-me causado bastante ansiedade, mas a descoberta é inevitável (or else...).

* BUTLER, Judith, «Competing Universalities». In Contingency, Hegemony, Universality – Dialogues on the Left. Londres e Nova Iorque: Verso, 2000, pp. 178-179.



sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Matar o Outro













Pistorius matou o Outro.
Matar o Outro nunca é o mesmo que matar "uma pessoa como nós". Há sempre boas desculpas para matar o Outro e sempre alguma atenuante porque, convenhamos, grave é quando as "pessoas como nós" matam "outras pessoas como nós".
O tal do Pistorius, que, pasmem-se, até já foi o Outro, ao competir olimpicamente com "outras pessoas como nós" e não com os "outros colegas dele", por sua conta ou em seu benefício, andou o julgamento a galope de uma narrativa em que Reeva Steenkamp  (como no caso do famoso Palito, também aqui o Outro raramente é nomeado, existindo apenas na sua relação com a "pessoa como nós" - "namorada" é o que aparece com mais frequência e há uma boa crítica aqui) talvez fosse uma puta. Mas, mesmo sendo puta, ele pensava ter atirado sobre um preto que lhe tinha invadido a casa e estava trancado na casa-de-banho, de modo que o que aconteceu foi que "uma pessoa como nós" tentando reagir sem pensar perante a invasão de um preto (sendo que matar é a única coisa que parece normal a toda a gente fazer-se aos pretos fechados em casas-de-banho em contexto sul-africano), acaba por "involuntariamente" matar uma mulher (puta) que cometeu o que alguém muito bem chamou de «esse erro feminino fatal que é estar no sítio errado à hora errada».

quarta-feira, 10 de setembro de 2014

a (im)possibilidade de chafurdar como mulher

Lembro-me de decidir, com a ajuda de um artigo que a Teresa Joaquim escreveu há muitos anos (já demasiados, diga-se; nota-se bem a distância daqueles termos), que poderia permitir-me fazer uma tese 'sobre' um filósofo sem que isso traísse aquela que eu achava ser uma das minhas missões feministas de divulgar o pensamento de mulheres. 

Olhando hoje para a minha estante de livros, percebo que levava [chamada de atenção para o tempo verbal] essa missão bem a sério e é pouca a poesia ou a literatura que não seja de autoria feminina. Mas voltando à  Teresa Joaquim; a autora, licenciada em filosofia, escrevia sobre as suas inquietações quanto à relação entre filosofia, “mulheres”, o “feminino”. Uma das questões centrais, seguindo a filósofa Sarah Kofman, era a dúvida entre escrever sobre mulheres filósofas para lhes dar visibilidade ou escrever filosofia, sendo mulher, construindo um nome que seja seu, contrariando também a tradição de a filosofia se fazer no masculino. Quando questões similares se me colocaram, e apesar de todas as reticências quanto ao que é isso de escrever sendo mulher, escolhi a segunda hipótese (passe a imodéstia aparente). 

Agora que há a possibilidade de escrever neste blog de vaginas, e na medida em que sinto cada vez mais que estou em dívida por não ter ainda postado, volta-se a colocar a questão de escolher os feminismos como tema ou como ponto de partida quase imperceptível, mais colocado nos gestos que nos objectos agarrados. 

Inclino-me para uma terceira hipótese, aquela que ainda não sei bem qual é mas que ando a ensaiar desde que me deixei de militâncias (o que me pode afastar tanto da primeira hipótese, como das vaginas irmãs). Enquanto lido com as minhas inquietações - e ganho tempo - ficam as da Teresa. 
A (im)possibilidade de ser filósofa

quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Contra a máquina de guerra sionista o género não é chamado: homens, mulheres e crianças palestinianas são uma só população.



“Aujourd’hui, nous devons être conscient-e-s de la façon dont le cliché « femmesetenfants » est véhiculé au sujet de Gaza et plus largement de la Palestine. Il accomplit plusieurs exploits rhétoriques, dont deux principaux : d’un côté, le regroupement des femmes et des enfants au sein d’une même catégorie indistincte, regroupé-e-s par « similitude » de genre et de sexe ; de l’autre, la reproduction du corps de l’homme palestinien (et plus généralement de celui de l’homme arabe) comme toujours déjà dangereux. »
[…]

« La machine de guerre israélienne, un peu comme celle des Etats-Unis en Afghanistan ou en Iraq, ne protège pas les queers, les femmes et les enfants palestinien-ne-s. Elle les tue, les mutile, les sépare de leurs proches – pour la simple raison qu’ils sont Palestinien-ne-s, et donc pouvant possiblement être tué-e-s en toute impunité à la vue du monde entier. Aujourd’hui, la différence entre les « femmesetenfants » palestinien-ne-s et les hommes palestiniens n’est pas la production de cadavres mais plutôt la circulation de ces cadavres à l’intérieur d’un cadre rhétorique dominant et grand public qui détermine qui a droit d’être pleuré sur la place publique comme véritables « victimes » de la machine de guerre israélienne. »

Ver o artigo completo aqui: 

« Les hommes palestiniens peuvent-ilsêtre des victimes ? Genrer la guerre d’Israël sur Gaza », Maya Mikdashi, Jadaliyya, 23 juillet 2014.



segunda-feira, 1 de setembro de 2014

"Control humidade"



Olho para esta imagem e vejo uma vagina.
Na verdade é uma imagem publicitária que ilustra a necessidade de se contactar uma empresa chamada “control humidade”, não vá a humidade ficar incontrolável.  

[imagem que aparece sistematicamente na minha página Fb]