A meio dos bombardeamentos de Gaza neste verão, lembro-me de ouvir dizer a alguém que a exibição das imagens dos corpos dos feridos e dos mortos, como forma de campanha para a sensibilização da opinião pública do que se estava a passar, era moralmente duvidosa, desrespeitando as pessoas naqueles corpos ao torná-los instrumentos para uma mensagem e, mais importante, que a exibição muito crua da verdade tem como resultado habituar os espectadores às imagens de guerra e morte, tornando-os insensíveis ou mais relativistas no que diz respeito a tomar posições de oposição ou indignação perante conflitos.A banalização do mal aplicada à recepção das imagens difundidas pelos mass media e pelas redes sociais.
Não consigo tecer considerações ou reflexões sobre as consequências imediatas e futuras da difusão de imagens de uma guerra enquanto no mesmo momento as bombas caem dizimando vidas e uma cidade. As bombas não caem na nossa cabeça e não morremos de desgosto em cada dia que algo de tenebroso acontece no mundo, não porque não pudéssemos, mas porque a vida se sucede e nos obriga a estar com ela. Mas afastarmo-nos de um acontecimento presente desta natureza para elaborar sobre a eficácia das mensagens associadas a ele é também fruto ou só é possível graças à mesma banalização, não só do mal mas da catástrofe. Sobreviver à catástrofe é viver com as imagens todas que vamos esquecendo e que vamos reconstruindo. Ver as imagens das pessoas nos campos de extermínio nazi não naturaliza o horror, dá-lhe antes forma e matéria, para que saibamos exactamente o que se passou. Esse saber exacto será por certo mais eficaz a prevenir-nos dos mesmos horrores.
Vem isto a propósito da publicação das imagens de alguns rostos das mulheres assassinadas em Portugal no último ano vítimas de violência de género. Ter rostos a substituir nomes e números é pesado. Mas foram mesmo estas mulheres que morreram.
O rosto das mulheres assassinadas, Correio da Manhã
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