É imprescindível a interpretação da Guerra como fenómeno não exclusivamente masculino, para tal é preciso retirar as mulheres da invisibilidade no espaço de opinião. Saber como esta operou na vida privada de tantas recém-casadas, ansiosas e solidárias com a situação dos maridos, atentas a outras realidades de uma experiência traumática que, ainda assim, conseguiu trazer-lhes boas recordações. São esposas de militares de carreira e oficiais, que seguiam as «Cartas de Chamada» em longas travessias de barco até chegarem a essas Áfricas onde lhes esperava o papel de apoiantes, ombro de consolo à desmoralização que se abatia nos homens em missão. Transparece uma certa ingenuidade que atravessa «uma geração que, sem saber porquê, sem questionar, ia», pois vivia-se um tempo de engano, em que as províncias ultramarinas eram Portugal e o patriotismo «um sentimento, que não se explicava nem se justificava».
Em África no Feminino, Margarida Calafate Ribeiro inspirou-se na análise de Benjamim Stora sobre o impacto da guerra na Argélia na sociedade francesa, no intuito de se considerar a guerra colonial um assunto interno a Portugal e aos países africanos. Neste sentido, o livro contribui para encurtar o divórcio entre a dimensão privada e colectiva da memória, já existente «nos tempos da Guerra, entre o discurso público sobre uma guerra silenciada e que oficialmente não existia e o conhecimento privado que dela tinham os portugueses mobilizados e as suas famílias». Se antes do 25 de Abril se fingia que não existia guerra, depois cedeu-se à perplexidade, absurdo e incapacidade de falar sobre tal. «São coisas de que não se pode falar. Viveram-se na altura e depois não se fala. Por pudor, por horror».
É portanto no registo de revisitação, procura de sentido para aquele período de vida e enquanto apanhado da variedade de perspectivas, que estes relatos colaboram na análise psicossociológica de uma das fases mais sombrias do tempo colonial. Porque partiam, voluntariosas, estas mulheres para o desconhecido? A motivação era generosa: coragem, amor e dedicação. Não é comum acompanhar maridos para cenários de guerra, mas o regime incentivava essas idas deixando e apoiando a permanência das mulheres em territórios ultramarinos, porém, entendido publicamente como razões, vontades privadas. No entanto, as esposas exerciam um papel, eram um complemento às tarefas de apoio do Movimento Nacional Feminino, da Cruz Vermelha, à propaganda que impelia as mães a «sacrificar os seus filhos pela Nação». Assim, a presença da mulher em África foi uma arma política muitíssimo útil: «não deviam mover-se, nem pensar, nem agir», mas «ser a mãe, a irmã, a distração amorosa, a imagem feminina, boa, a pura gota de água, a imagem também da casa perdida, do país perdido, da família perdida».
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