segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Vida intermitente



na fragilidade as palavras alojam-se tipo bala infecta

ressoam num filme ininterrupto, ganham fortalezas dentro do corpo 
armadilha que nada protege



não é autocomiseração não

é mesmo a dor que às vezes vem sôfrega
acho que compreendes

um travo de desespero gorduroso no ápice com que a vida nos revira e pega de quatro,
destrói planos com a mesma força neles agenciada

se de um gesto nasce a alegria, de outro esmorece o entusiasmo
e lá vamos, focas desorientadas num vagaroso degelo
vestidas de frio a pedir concomitantes passeios pelo mundo em desaparecimento

sou mais forte que isso mas também

na fragilidade o temor é sozinho mas se o ombro assome
parece-me ter a exclusiva capacidade de alterar o estado delirante das coisas
pois a solidão necessária nem sempre ajuda a ver melhor

mas não se pode incomodar
nem se deve incomodar
somos tão mais desejáveis enquanto criaturas de luz, frescas e alegres,
capazes de inverter ventos e de reparar as falhas
nunca provocá-las
nem dar autoria às inconsequências, dores impróprias, exigências vãs

isso não é de mulher crescida.

aquela que chega sôfrega
acho que compreendes.
Mea Culpa Johannesburg (1997), de Mary Keller

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