na fragilidade as palavras alojam-se
tipo bala infecta
ressoam num filme ininterrupto, ganham
fortalezas dentro do corpo
armadilha que nada protege
armadilha que nada protege
não é autocomiseração não
é mesmo a dor que às vezes vem sôfrega
acho que compreendes
um travo de desespero gorduroso no ápice com que
a vida nos revira e pega de quatro,
destrói planos com a mesma força neles agenciada
destrói planos com a mesma força neles agenciada
se de um gesto nasce a alegria, de outro
esmorece o entusiasmo
e lá vamos, focas desorientadas num vagaroso
degelo
vestidas de frio a pedir concomitantes passeios
pelo mundo em desaparecimento
sou mais forte que isso mas também
na fragilidade o temor é sozinho mas se o ombro
assome
parece-me ter a exclusiva capacidade de alterar
o estado delirante das coisas
pois a solidão necessária nem sempre ajuda a ver
melhor
mas não se pode incomodar
nem se deve incomodar
somos tão mais desejáveis enquanto criaturas de
luz, frescas e alegres,
capazes de inverter ventos e de reparar as
falhas
nunca provocá-las
nem dar autoria às inconsequências, dores
impróprias, exigências vãs
isso não é de mulher crescida.
aquela que chega sôfrega
acho que compreendes.
Mea Culpa Johannesburg (1997), de Mary Keller
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